domingo, 19 de maio de 2013

Cada um é um mundo - Fernando Pessoa


Cada um é um mundo; e como em cada fonte
Uma deidade vela, em cada homem
Porque não há de haver
Um deus só de ele homem?

Na encoberta sucessão das cousas,
Só o sábio sente, que não foi mais nada
Que a vida que deixou.



s.d.
Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994. - 184.



A Wise Man On The Street, Valerie Rosen


420º aniversário do nascimento do pintor Jacob Jordaens


Feestmaal van Cleopatra (O banquete de Cleópatra),
Jacob Jordaens, 1653

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Porque esqueci quem fui quando criança?


Fernando Pessoa (1898)


Porque esqueci quem fui quando criança?Porque deslembra quem então era eu?
Porque não há nenhuma semelhança
Entre quem sou e fui?
A criança que fui vive ou morreu?
Sou outro? Veio um outro em mim viver?
A vida, que em mim flui, em que é que flui?
Houve em mim várias almas sucessivas
Ou sou um só inconsciente ser?


1932
Poesias Inéditas (1930-1935). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1955 (imp. 1990). - 102.


segunda-feira, 13 de maio de 2013

Artigo sobre se "as mulheres devem fazer parte do jury nos tribunais" (13 de Maio de 1929)


O último parágrafo deste artigo com 84 anos é "delicioso": "Aqui está, em resume, o principal das opiniões até agora colhidas. A conclusão é contrária a que as mulheres façam parte do jury - conclusão que me parece razoável, segundo o meu ponto de vista. Tudo o que afaste a mulher da família me parece prejudicial para uma sociedade bem organizada e para a própria mulher. Evidentemente, há as excepções, mas as excepções confirmam a regra." [Introduzidas pequenas correcções ao texto]

(Diário de Lisboa, 13 de Maio de 1929)

Crux in lucem



A peregrinação a Fátima


Estas são as primeiras grandes referências no Diário de Lisboa sobre peregrinações a Fátima, recordando as aparições de 1917.


(Diário de Lisboa, 13 de Maio de 1925)


(Diário de Lisboa, 13 de Maio de 1933)

Ontem à tarde um homem das cidades - Alberto Caeiro



"XXXII

Ontem à tarde um homem das cidades

Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça
E dos operários que sofrem,
E do trabalho constante, e dos que têm fome,
E dos ricos, que só têm costas para isso.

E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos

E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
O ódio que ele sentia, e a compaixão
Que ele dizia que sentia.

(Mas eu mal o estava ouvindo.

Que me importam a mim os homens
E o que sofrem ou supõem que sofrem?
Sejam como eu—não sofrerão.
Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros,
Quer para fazer bem, quer para fazer mal.
A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos.
Querer mais é perder isto, e ser infeliz.)

Eu no que estava pensando

Quando o amigo de gente falava
(E isso me comoveu até às lágrimas),
Era em como o murmúrio longínquo dos chocalhos
A esse entardecer
Não parecia os sinos duma capela pequenina
A que fossem à missa as flores e os regatos
E as almas simples como a minha.

(Louvado seja Deus que não sou bom,

E tenho o egoísmo natural das flores
E dos rios que seguem o seu caminho
Preocupados sem o saber
Só com o florir e ir correndo.
É essa a única missão no Mundo,
Essa—existir claramente,
E saber fazê-lo sem pensar nisso.)

E o homem calara-se, olhando o poente.

Mas que tem com o poente quem odeia e ama?"


s.d.“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993). - 56.
“O Guardador de Rebanhos”. 1ª publ. in Athena, nº 4. Lisboa: Jan. 1925.


sábado, 11 de maio de 2013

Álvaro de Campos - O que há em mim é sobretudo cansaço




O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...


9-10-1934
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). - 64.


Gandhi - Artigo do Jornal de Lisboa de há 80 anos


(Jornal de Lisboa, 11 de Maio de 1933)